Caça, Coleta e os Primeiros Sabores
O Período Neolítico, também conhecido como Idade da Pedra Polida, compreende aproximadamente o período entre 10.000 a.C. e 3.000 a.C. Durante essa fase, ocorreu uma das transformações mais profundas na história da alimentação: a transição do nomadismo caçador-coletor para a vida sedentária baseada na agricultura e na domesticação de animais. A espécie humana predominante neste período era o ‘Homo sapiens’, já completamente desenvolvida anatomicamente e cognitivamente, tendo substituído os ‘Homo erectus’ e outros hominídeos extintos.
Alimentação dos primeiros sedentários
A dieta das comunidades humanas em transição para o Neolítico era diversificada, composta por vegetais, sementes, raízes, mel, ovos, frutos silvestres, moluscos, além da carne proveniente da caça. Esses alimentos vegetais não eram apenas complementares, mas frequentemente constituíam a base da subsistência, uma vez que o sucesso das caçadas nem sempre era garantido (FERRAZ, 2006). Nesse contexto, as comunidades passaram a observar os ciclos sazonais e a desenvolver estratégias de estocagem e conservação dos alimentos.
Agricultura: O Domínio da Semente
A agricultura surgiu de forma independente em diferentes regiões do globo, como o Crescente Fértil, a bacia do Rio Amarelo na China e partes das Américas, entre aproximadamente 10.000 e 7.000 a.C. Os primeiros agricultores perceberam que sementes plantadas germinavam e geravam novos alimentos, o que levou à domesticação de diversas espécies vegetais.
Na Europa, cultivavam-se trigo, cevada, lentilhas, grão-de-bico, ervilhas e linhaça, enquanto, no Oriente, o arroz tornou-se um alimento essencial. A sedentarização possibilitou a organização em aldeias, a vigilância das plantações e o armazenamento de excedentes alimentares (GOMES, 2004). Nesse sentido, como explica Laraia (2001), a agricultura representou uma verdadeira revolução cultural, ao alterar profundamente a relação entre o ser humano e a natureza.
Descobertas arqueológicas realizadas em cavernas na Itália revelaram o uso de ferramentas de pedra para triturar grãos, constituindo um dos mais antigos indícios conhecidos do preparo de farinha. A análise desses instrumentos identificou resíduos de aveia selvagem, sugerindo que, há pelo menos 30 mil anos, grupos humanos já produziam um tipo rudimentar de farinha (MONTANARI, 2008).
Criação de animais: Carne, leite e trabalho
A fixação territorial exigiu novas formas de garantir o suprimento de proteínas. Segundo Leal (1998), “as presas que eram capturadas passaram a ser mantidas vivas durante certo tempo, para garantirem um abastecimento prolongado de carne fresca”. Esse processo contribuiu para o desenvolvimento gradual da domesticação dos animais.

Foram domesticados inicialmente cabras, ovelhas, porcos, renas e aves, que forneciam carne, leite e ovos. Animais de carga como bois, cavalos e camelos desempenhavam funções ligadas ao transporte e trabalho agrícola. A criação permitiu maior estabilidade alimentar e deu origem a formas mais complexas de organização social.
Apicultura: do mel à medicina
A coleta de mel antecede a agricultura e, no Neolítico, já se observam formas rudimentares de manejo de colmeias. Representações rupestres encontradas na Espanha, datadas de cerca de 10 mil anos, mostram seres humanos interagindo com colmeias, indicando a importância do mel desde períodos muito antigos (FERRAZ, 2006). Evidências arqueológicas, como jarros cerâmicos com vestígios de cera de abelha encontrados no Norte da África, sugerem práticas de manejo de colmeias há cerca de 8.500 anos.
O mel era valorizado não apenas como adoçante, mas também por suas propriedades medicinais e conservantes. No Egito Antigo, era utilizado como ingrediente culinário, cosmético e farmacológico. Na Mesopotâmia, atribuía-se ao mel o poder de curar e até de prolongar a vida, sendo considerado um alimento dotado de propriedades mágicas (MONTANARI, 2008).
Cerâmica: A arte de cozinhar e conservar
A cerâmica neolítica representou uma inovação decisiva para a gastronomia, pois objetos de argila moldados e cozidos possibilitaram o armazenamento e a cocção de alimentos. A resistência térmica desses recipientes permitiu o preparo de caldos, sopas, papas e mingaus, ampliando a diversidade alimentar em relação às técnicas baseadas apenas em assados ou defumados (MONTANARI, 2008).
Fragmentos de cerâmica com mais de 19.000 anos já foram encontrados na China, embora o uso mais generalizado tenha se dado no Neolítico. A durabilidade e abundância desses materiais os tornaram valiosos registros arqueológicos.
Bebidas fermentadas: Cerveja, vinho e cultura
As primeiras bebidas alcoólicas provavelmente surgiram da fermentação acidental de frutas ou grãos armazenados em recipientes cerâmicos. A cerveja e o vinho neolíticos eram densos e pouco filtrados, com sabor bastante distinto das versões atuais. A chamada “cerveja-pão” foi registrada entre os sumérios, que observaram que a massa fermentada produzia um líquido nutritivo (MONTANARI, 2008).
Na Mesopotâmia, a cerveja era amplamente consumida por diferentes grupos sociais e desempenhava papel central na alimentação cotidiana. Acreditava-se que seu consumo era mais seguro do que o da água e contribuía para a prevenção de enfermidades, razão pela qual essa prática se manteve por longos períodos históricos, reforçando a importância social e alimentar das bebidas fermentadas (FERRAZ, 2006)
Considerações Finais
O Neolítico representou uma verdadeira revolução alimentar. A transição para a agricultura, a domesticação de animais, o uso da cerâmica e o surgimento das bebidas fermentadas estabeleceram as bases das futuras civilizações. Com o domínio do fogo, da fermentação e do armazenamento, a comida deixou de ser apenas um meio de sobrevivência e passou a ocupar o centro da cultura humana.

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Eu sou graduada e pós graduada na área de gastronomia e compilei todos os anos de estudo em apostilas que estou transformando em um livro “Diário da Gastronomia. De Tudo… Um Pouco.” (Para saber mais acesse a página A Gastrônoma, A Autora, A Terapeuta, A Multiface). Através deste site postarei informações importantes que contribuirá para aumentar o conhecimento dos leitores na área de gastronomia A parte teórica pode ser encontrada na página “Conceitos e Teorias“. Quanto à prática, os leitores podem ir treinando com as “Receitas” postadas. Todas as receitas foram previamente testadas.
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FONTES IMAGENS: Adriana Tenchini
REFERÊNCIAS:
FERRAZ, Maria Cristina. História da alimentação. São Paulo: Contexto, 2006.
GOMES, Marília Fernanda de Paula. História da alimentação: da Antiguidade à Idade Média. Campinas: Alínea, 2004.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 16. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
LEAL, Heloisa Toller Gomes. Alimentação e cultura na história do Brasil. São Paulo: Moderna, 1998.
MONTANARI, Massimo. A fome e a abundância: uma história da alimentação na Europa. Tradução de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Estação Liberdade, 2008.,
