Nascimento da Alta Gastronomia
A Idade Contemporânea teve início com a Revolução Francesa, em 1789, e se estende até os dias de hoje. Esse período é marcado por intensas transformações políticas, sociais, econômicas e culturais, que impactaram profundamente os hábitos alimentares e a forma como a culinária foi percebida e praticada. Como destaca Leal (1998), a Idade Contemporânea é o período da história que se segue à Idade Moderna. Ela começa, portanto, em 1789, o ano da Revolução Francesa, e vai até os dias atuais.

Logo após a revolução, assistimos a uma verdadeira reconfiguração da gastronomia francesa. O modelo aristocrático de se alimentar, até então reservado às elites, começa a se difundir. Isso ocorre porque os cozinheiros das casas nobres, muitos dos quais perderam seus empregos com a queda da nobreza, passaram a abrir restaurantes próprios, oferecendo ao público pratos antes restritos aos salões aristocráticos. Foi nesse contexto que a França consolidou seu papel como berço da alta gastronomia ocidental.
Um dos protagonistas dessa transformação foi Napoleão Bonaparte, figura decisiv a não apenas nos rumos da política europeia, mas também no campo alimentar. Napoleão valorizava uma alimentação mais funcional e prática, rejeitando os excessos da cozinha aristocrática e incentivando soluções que atendessem às necessidades do Estado e do exército. Um exemplo marcante foi o concurso por ele promovido no final do século XVIII, oferecendo um prêmio em dinheiro a quem desenvolvesse um método eficaz de conservar alimentos por longos períodos. O vencedor foi Nicolas Appert, criador da técnica de conservação em recipientes hermeticamente fechados e submetidos ao calor, marco inicial da indústria de alimentos conservados. Essa inovação teve impacto não apenas militar, mas também civil, impulsionando o avanço da indústria alimentícia moderna (FLANDRIN; MONTANARI, 2001; FRANCO, 2004).

Outra figura central desse período é Marie-Antoine Carême (1784 – 1833), considerado o primeiro chef de cozinha no sentido moderno da palavra. Abandonado pelo pai aos oito anos de idade, Carême iniciou sua trajetória como ajudante de cozinha em uma humilde taverna parisiense, mas logo conquistou espaço nas melhores casas da cidade, tornando-se aprendiz do confeiteiro Sylvain Bailly. Seu talento para a confeitaria artística, expressa nas suas pièces montées, elaboradas esculturas comestíveis feitas de açúcar, marzipã e massa, logo o destacaram entre os grandes da época.
Com o tempo, Carême passou a cozinhar para políticos e aristocratas influentes, como Talleyrand[1] e o czar Alexandre I[2]. Foi também responsável pela profissionalização da cozinha francesa, pela codificação de receitas e pela criação de bases culinárias que ainda hoje fundamentam a gastronomia clássica. Entre suas obras mais conhecidas estão ‘Le Maître d’hôtel français’ (1822), ‘Le Pâtissier royal parisien’ (1825), e ‘L’art de la cuisine au XIXe siècle’ (1833), esta última publicada em cinco volumes, sendo os dois últimos concluídos por seu discípulo Plumerey.
Carême revolucionou a estrutura das cozinhas, implementando padrões de organização e higiene. Criou uniformes, reformulou o design de panelas e estabeleceu a figura do chef de cuisine como líder técnico e criativo de umabrigada de cozinha. Também sistematizou os grandes molhos da culinária francesa, béchamel, velouté, espanhol, holandês, entre outros, a partir dos quais derivam diversas preparações secundárias. Sua importância não se restringe às receitas, pois Carême foi fundamental para a consolidação de um pensamento gastronômico clássico, baseado na técnica, na hierarquia e na racionalização do trabalho culinário, elementos centrais da gastronomia moderna (FLANDRIN; MONTANARI, 2001).
Sua influência ultrapassou os salões franceses e marcou presença em cortes europeias como a inglesa, a austríaca e a russa. A frase atribuída a Carême, “a cozinha é a arte de usar alimentos para criar felicidade”, expressa bem o espírito de uma nova era em que a alimentação deixa de ser mera necessidade e passa a ser um campo de refinamento, técnica e prazer estético.

Além de suas contribuições técnicas e conceituais, Carême também é apontado como responsável pela transição do serviço à francesa para o serviço à russa, no qual os pratos passam a ser servidos individualmente e em sequência, obedecendo a uma ordem previamente definida no menu. Essa mudança conferiu maior atenção à temperatura, ao frescor e à apresentação dos alimentos, consolidando uma nova experiência à mesa e elevando o papel da gastronomia na cultura ocidental moderna (FLANDRIN; MONTANARI, 2001).

Saiba Mais:
[1]Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord (1754–1838) foi um influente diplomata francês que atuou da Monarquia ao período pós-napoleônico. Hábil negociador e figura-chave no Congresso de Viena, utilizou banquetes como ferramenta política, contexto no qual empregou Marie-Antoine Carême.
[2] Czar Alexandre I (1777–1825) foi o imperador da Rússia de 1801 até sua morte. Conhecido por seu papel decisivo na derrota de Napoleão Bonaparte, liderou o Império Russo durante um período de intensas transformações políticas e militares na Europa. Seu governo combinou momentos de abertura e reformas com fases de conservadorismo, especialmente após o Congresso de Viena (1815). Em sua época, a Rússia emergiu como uma das potências centrais do continente.

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Eu sou graduada e pós graduada na área de gastronomia e compilei todos os anos de estudo em apostilas que estou transformando em um livro “Diário da Gastronomia. De Tudo… Um Pouco.” (Para saber mais acesse a página A Gastrônoma, A Autora, A Terapeuta, A Multiface). Através deste site postarei informações importantes que contribuirá para aumentar o conhecimento dos leitores na área de gastronomia A parte teórica pode ser encontrada na página “Conceitos e Teorias“. Quanto à prática, os leitores podem ir treinando com as “Receitas” postadas. Todas as receitas foram previamente testadas.
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FONTES IMAGENS: Adriana Tenchini
REFERÊNCIAS:
FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (orgs.). História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.
FRANCO, Ariovaldo. De caçador a gourmet: uma história da gastronomia. São Paulo: Senac, 2004.
LEAL, Maria Leonor. História da gastronomia. São Paulo: Ática, 1998.
