Sabores dos Fenícios
Origens na Pré-História: As Raízes da Alimentação Fenícia
Muito antes de se destacarem como navegadores e comerciantes proeminentes do mundo antigo, os antecessores dos fenícios já habitavam a costa leste do Mediterrâneo desde o período Neolítico. Estabelecidos entre o mar e as montanhas do atual Líbano, esses povos desenvolveram práticas alimenta res adaptadas ao relevo acidentado e ao clima mediterrâneo. Viviam da pesca, da caça de pequenos animais, da coleta de frutos silvestres, tais como figos, uvas e nozes, e do cultivo de cereais como trigo e cevada (LIMONTA, 2010).
A alimentação nesse estágio inicial caracterizava-se pela subsistência, mas já apresentava sinais de domesticação de plantas e animais, conforme evidências arqueológicas apontadas por Jean-Louis Flandrin (2001), que destaca a importância da região do Levante como um dos berços da agricultura e da sedentarização.
Contexto Histórico, Geográfico e Político
Durante a Antiguidade, os fenícios consolidaram-se como uma civilização urbana e marítima, organizada em cidades-estados independentes, como Tiro, Sídon, Biblos e Ugarit. Localizados entre o Mediterrâneo e a zona montanhosa do Crescente Fértil, enfrentavam limitações territoriais para a agricultura extensiva. Para lidar com isso, aplicaram soluções como o cultivo em terraços e sistemas de irrigação com canais de pedra (DAVIDSON, 2008).
O clima mediterrâneo, caracterizado por invernos chuvosos e verões secos, permitia dois ciclos agrícolas por ano. As cidades fenícias eram governadas por uma elite formada por reis-sacerdotes e conselhos de anciãos, onde religião, política e comércio estavam profundamente entrelaçados. Essa estrutura favoreceu uma culinária plural, influenciada pelas trocas comerciais e pela mobilidade marítima constante.
Agricultura, Pecuária, Pesca e Produção de Alimentos
A agricultura fenícia, embora limitada pelo espaço e pelo solo pedregoso, era engenhosa. Cultivavam trigo e cevada, utilizados na produção de pães achatados, mingaus e bolos de uso ritual. O cultivo de videiras e oliveiras era essencial, pois o vinho e o azeite não só alimentavam, mas também serviam como moeda de troca e oferenda sagrada (MONTANARI, 2008).

Leguminosas como lentilhas, grão de bico e favas eram amplamente consumidas, assim como hortaliças como cebola, pepino e alho poró. As frutas, entre elas romãs, tâmaras, figos, uvas e maçãs silvestres, enriqueciam a dieta. O uso de ervas e especiarias como hissopo, zaatar, cominho, coentro, hortelã e gengibre era comum, tanto para sabor quanto para conservação.
A pecuária complementava a alimentação. Criavam ovelhas e cabras para obtenção de leite e produção de queijos como coalhadas salgadas. Galinhas forneciam ovos, enquanto bois e porcos eram consumidos com menor frequência, geralmente em ocasiões rituais ou por classes mais abastadas (DALBY, 2005).
A pesca, no entanto, era a principal fonte de proteína animal. Os fenícios pescavam atuns, sardinhas, moluscos e ouriços do mar, além de explorarem os recursos marítimos para fins não alimentares, como a extração do pigmento púrpura de Tiro. O peixe era salgado, defumado ou seco ao sol, e fermentado para produção de molhos semelhantes ao garum romano (RODRIGUES, 2014).
Técnicas Culinárias e Utensílios
A culinária fenícia caracterizava-se pela praticidade e eficiência, refletindo a mobilidade do povo. Os alimentos eram grelhados em braseiros, assados em fornos de barro ou cozidos em potes de cerâmica sobre pedras aquecidas. O uso de fermentações naturais era difundido, tanto para o pão quanto para bebidas alcoólicas (FLANDRIN; MONTANARI, 1998).
A conservação de alimentos era prioridade, devido às longas jornadas marítimas. Utilizavam técnicas como a salga, defumação e conservação em vinagre e azeite. Mel, caldas de tâmaras e figos secos adoçavam os pratos, e o vinagre tinha também função preservativa. Entre os utensílios, destacavam-se ânforas, jarros de pedra, colheres de madeira, almofarizes para moer grãos e ervas, prensas de azeite e vinho, e pratos com bordas altas, próprios para refeições coletivas.
Hábitos Alimentares e Rituais Religiosos
As refeições cotidianas eram momentos de partilha. Consumiam pães achatados, pastas de leguminosas, hortaliças frescas, queijos, azeite e frutas, frequentemente com as mãos, utilizando o pão como utensílio. Comer em grupo era comum e refletia a coesão social. Os mercadores e marinheiros optavam por alimentos portáteis e duráveis, como bolinhos de cevada, conservas de peixe e vinhos diluídos (DALBY, 2005).
A religião era central na cultura alimentar fenícia. Alimentos eram ofertados a divindades em rituais que envolviam sacrifícios de cordeiros, pombas, cereais e vinho. Em cerimônias fúnebres, era prática enterrar alimentos com os mortos, como forma de assegurar sua subsistência no além-vida. Bolos moldados em formas simbólicas e vinhos aromatizados com ervas sagradas tinham papel específico nas celebrações (LIMONTA, 2010).
Trocas Culturais, Influências e Curiosidades
A ampla rede de comércio fenícia, que se estendia do Levante até a Península Ibérica e o Norte da África, fez deles vetores de difusão culinária. Transportavam azeite, vinho, especiarias, sal, peixes secos, tâmaras e cerâmicas culinárias. Através dessas rotas, difundiram práticas como a prensagem de azeite, a conservação em sal e vinagre, o uso de ervas aromáticas e a fermentação de peixes (MONTANARI, 2008).
A simbologia dos alimentos era marcante. O vinho representava prazer e espiritualidade; o azeite, pureza e luz; a romã, fertilidade e abundância. Essa dimensão simbólica integrava o alimento ao sagrado e reforçava a ligação entre comida e cultura.
Legado e Contribuição à Gastronomia Mundial
Apesar de não deixarem registros escritos culinários, os fenícios exerceram papel crucial na formação da dieta mediterrânea. Seus produtos e técnicas, como azeite, vinho, pães, conservas e o uso de ervas, integram a base alimentar da região até os dias atuais.
Mais do que receitas, os fenícios legaram uma filosofia alimentar baseada na adaptação, na conservação e na fusão cultural. Como pontua Flandrin (2001), a alimentação antiga era também um veículo de identidades, e os fenícios foram mestres em integrá-las e disseminá-las.
Ecos Atuais dos Fenícios
Embora os fenícios tenham desaparecido enquanto identidade política, seu legado é visível nas práticas alimentares contemporâneas do Líbano, da Síria, de Israel e de antigas colônias como Cartago e Cádiz. Os sabores fenícios permanecem vivos nos pratos da moderna culinária levantina, como o pão pita, o zaatar, os vinhos artesanais e os queijos de cabra curados. Essa permanência revela a força da tradição alimentar como meio de preservação cultural, mesmo diante das transformações históricas e territoriais.

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Eu sou graduada e pós graduada na área de gastronomia e compilei todos os anos de estudo em apostilas que estou transformando em um livro “Diário da Gastronomia. De Tudo… Um Pouco.” (Para saber mais acesse a página A Gastrônoma, A Autora, A Terapeuta, A Multiface). Através deste site postarei informações importantes que contribuirá para aumentar o conhecimento dos leitores na área de gastronomia A parte teórica pode ser encontrada na página “Conceitos e Teorias“. Quanto à prática, os leitores podem ir treinando com as “Receitas” postadas. Todas as receitas foram previamente testadas.
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FONTES IMAGENS: Adriana Tenchini
REFERÊNCIAS:
DALBY, Andrew. História da Comida: Da Pré-História à Era Moderna. São Paulo: Senac, 2005.
DAVIDSON, Alan. O Livro de Ouro da Gastronomia: Uma História Mundial da Arte Culinária. Rio de Janeiro: Ediouro, 2008.
FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (Org.). História da Alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.
LIMONTA, Odette. A Cozinha dos Deuses: Comida e Religião na Antiguidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
MONTANARI, Massimo. Comida como Cultura. São Paulo: Editora Senac, 2008.
RODRIGUES, Adriana. Do Fogo ao Banquete: Práticas Alimentares na Antiguidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2014.
