A Culinária e a Gastronomia na Idade Moderna
A Idade Moderna marca um dos períodos mais férteis da história no que diz respeito à evolução da alimentação e da gastronomia. Estendendo-se do século XV ao XVIII, teve início com a queda do Império Romano do Oriente em 1453 e encerrou-se com a Revolução Francesa em 1789, evento que simbolizou não apenas uma transformação política e social, mas também profundas mudanças nos hábitos culturais, incluindo os alimentares (LEAL, 1998).
Do ponto de vista gastronômico, a Idade Moderna se destaca por dois acontecimentos fundamentais: as grandes navegações e o florescimento do Renascimento europeu. Esses dois movimentos impulsionaram não apenas o comércio e a ciência, mas também a troca de ingredientes, técnicas culinárias, hábitos alimentares e utensílios entre diversos povos e continentes. Nunca se viram tantas transformações no modo de produzir, preparar e consumir alimentos.
As Grandes Navegações e os Sabores do Mundo
Durante os séculos XV e XVI, expedições marítimas lideradas por potências ibéricas, em especial Portugal e Espanha, abriram novas rotas oceânicas e colocaram em contato diferentes mundos até então isolados: Europa, Ásia, África e Américas. Os produtos que antes vinham do Oriente, como as especiarias (pimenta, noz-moscada, canela, cravo), tornaram-se mais acessíveis à Europa, e outros ingredientes antes desconhecidos, como milho, batata, cacau, tomate, pimentão, abacate e feijão, foram incorporados à alimentação europeia a partir das Américas.
Além disso, o contato com as culturas africanas trouxe novos elementos e modos de preparo que enriqueceram ainda mais a culinária europeia. Essa verdadeira revolução nos ingredientes e temperos alterou profundamente a paleta de sabores disponível e redefiniu o que se entendia por boa mesa. A história da alimentação demonstra que as trocas culturais, inclusive através de rotas comerciais e interações ao longo dos séculos, introduziram ingredientes e técnicas que transformaram os hábitos alimentares antigos e contribuíram para a diversificação dos sabores na mesa europeia (FLANDRIN; MONTANARI, 2001).
O Renascimento e os Prazeres da Mesa
Simultaneamente, o Renascimento, movimento intelectual e artístico que floresceu inicialmente na Itália, trouxe consigo uma valorização inédita dos prazeres terrenos, entre eles, o prazer de comer. Marcado pelo esplendor das artes plásticas, música, literatura e arquitetura, o Renascimento também influenciou os modos de viver e comer na Europa. Como destaca Leal (1998), foi uma época marcada pela beleza das músicas, pelo brilho das artes plásticas e pela liberação dos prazeres, dentre os quais estavam os prazeres gastronômicos.
Neste ambiente cultural de efervescência, surgiram personalidades que moldaram os rumos da gastronomia europeia. Um dos nomes mais notáveis foi Taillevent, cozinheiro do rei Carlos V da França, que imortalizou seu saber culinário no livro Le Viandier (1486). Suas receitas, centradas em molhos espessados com pão e em sopas sofisticadas de cebola, favas e peixe, marcaram uma virada na culinária medieval e influenciaram os futuros refinamentos da cozinha francesa. Taillevent foi o primeiro a sistematizar o uso de especiarias como gengibre, açafrão, pimenta e canela em molhos e ensopados, preparando o caminho para o que viria a se tornar a haute cuisine[1] (LEAL, 1998).
A horticultura também ganhou novo prestígio, com o cultivo de frutas e hortaliças sendo promovido como uma arte refinada entre as classes altas. Entre os frutos mais valorizados, a pera foi celebrada como “a mais civilizada de todas as frutas” (LEAL, 1998). A busca pelo requinte à mesa estimulou a produção de doces, compotas e geleias, que se tornaram iguarias disputadas, principalmente na Itália e na Inglaterra. Obras sobre confeitaria circularam entre os países, e até mesmo o profeta Nostradamus é citado como autor de receitas de doces e frutas cristalizadas.
Com o avanço da imprensa, livros de culinária ganharam popularidade e passaram a circular entre os letrados e aristocratas. Um dos primeiros e mais influentes foi ‘De Honesta Voluptate et Valetudine’, de Bartolomeo Sacchi (mais conhecido como Platina de Cremona), considerado o primeiro tratado de gastronomia da Europa moderna. Sua obra, publicada inicialmente em 1474, teve seis edições em apenas trinta anos, influenciando cozinheiros e intelectuais de toda a Europa (FRANCO, 2004).
Esses acontecimentos não apenas elevaram o prestígio da gastronomia, mas também democratizaram, ainda que de forma lenta e elitizada, o saber culinário, transformando a cozinha em campo legítimo de estudo, experimentação e arte.

[1] Haute cuisine: expressão francesa que significa “alta cozinha” ou “cozinha refinada”. Refere-se à tradição culinária caracterizada por pratos sofisticados, técnicas refinadas, apresentação elaborada e uso de ingredientes de alta qualidade. Surgiu na França entre os séculos XVII e XVIII, sendo fortemente associada aos cozinheiros da aristocracia e à codificação culinária promovida por chefs como La Varenne, Carême e Escoffier.

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Eu sou graduada e pós graduada na área de gastronomia e compilei todos os anos de estudo em apostilas que estou transformando em um livro “Diário da Gastronomia. De Tudo… Um Pouco.” (Para saber mais acesse a página A Gastrônoma, A Autora, A Terapeuta, A Multiface). Através deste site postarei informações importantes que contribuirá para aumentar o conhecimento dos leitores na área de gastronomia A parte teórica pode ser encontrada na página “Conceitos e Teorias“. Quanto à prática, os leitores podem ir treinando com as “Receitas” postadas. Todas as receitas foram previamente testadas.
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FONTES IMAGENS: Adriana Tenchini
REFERÊNCIAS:
FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (orgs.). História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.
FRANCO, Ariovaldo. De caçador a gourmet: uma história da gastronomia. São Paulo: Senac, 2004.
LEAL, Maria Leonor. História da gastronomia. São Paulo: Ática, 1998.
