A Arte da Mesa Francesa
No século XVI, um acontecimento decisivo transformou os rumos da culinária europeia: o casamento de Catarina de Médici, da aristocracia florentina, com Henrique II, herdeiro do trono francês. Essa união selou não apenas um laço político, mas também um intercâmbio cultural e gastronômico que alçaria a França à condição de novo centro da alta cozinha europeia. Catarina levou consigo não apenas a elegância renascentista da Itália, mas também seus célebres cozinheiros, pasteleiros, hábitos refinados à mesa e ingredientes até então desconhecidos entre os franceses, como alcachofras, brócolis, trufas e espinafre.
Entre as inovações introduzidas por ela, destacam-se o uso do guardanapo, inventado por Leonardo da Vinci, a valorização do ambiente das refeições (com música e decoração adequadas) e a prática de boas maneiras, como lavar as mãos antes de comer. Essa atenção ao ambiente, aos utensílios e à apresentação transformaria profundamente o modo como os franceses se relacionariam com a comida. Foi o início da mais refinada e complexa tradição gastronômica do Ocidente: a cozinha francesa.
Com o passar das décadas, os banquetes franceses ganharam fama por sua exuberância e sofisticação. Cristais de Veneza, louças de Urbino, toalhas bordadas e utensílios de ouro e prata faziam parte da mise en place[1] das mesas aristocráticas. Ao mesmo tempo, novos ingredientes provenientes das Américas e da Ásia se incorporavam aos menus. Em meados do século XVI, a variedade de alimentos nas grandes cidades francesas impressionava até mesmo os estrangeiros (FRANCO, 2004).
Na Inglaterra, a evolução da cozinha foi mais lenta, embora não menos marcante. Os Tudors, por exemplo, usavam taças de ouro em seus banquetes e já apreciavam uma mesa variada, com queijos importados, passas, frutas cítricas e doces sofisticados. Elizabeth I era conhecida por sua predileção por guloseimas, reflexo do gosto renascentista pelos açúcares e pelas sobremesas elaboradas.
No reinado de Luís XIII (1610 – 1643), iniciou-se a prática de harmonizar menus, estabelecendo uma ordem mais racional na apresentação dos pratos. A culinária começou a ser vista não apenas como uma forma de ostentação, mas como verdadeira fonte de prazer. O vocábulo “gastronomie” apareceu pela primeira vez em francês em 1623, derivado da tradução de obras da Antiguidade como a de Arquestrato. Com o tempo, esse termo passou a designar não apenas o estudo da alimentação, mas também a arte de comer e cozinhar com elegância e sensibilidade estética (FRANCO, 2004).

Esse movimento culminaria com o surgimento de grandes nomes da culinária, como François Pierre de La Varenne (1615 – 1678). Considerado o pai da haute cuisine, La Varenne publicou, em 1651, o revolucionário ‘Le Cuisinier François’, primeiro livro que codificava de forma sistemática os princípios da cozinha francesa. Nele, valorizava-se o uso de ingredientes frescos, a substituição da banha por manteiga, a introdução de técnicas como clarificação com claras de ovos, o uso de bouquet garni, fonds de cuisine[2] e caldos com roux, mistura de manteiga e farinha usada como base de molhos.
Mais do que um livro de receitas, Le Cuisinier François foi um divisor de águas: deslocou a cozinha do campo médico-dietético para o campo estético e artístico. Seus leitores eram encorajados a realçar, e não mascarar, os sabores naturais dos alimentos, valorizando a simplicidade e a clareza dos ingredientes. O trabalho de autores culinários do século XVII, como La Varenne, marcou uma mudança de paradigma na gastronomia europeia que influenciou profundamente as práticas de cozinha nos séculos seguintes (FRANCO, 2004; FLANDRIN; MONTANARI, 2001).
O livro foi um sucesso editorial e se espalhou rapidamente pela Europa. La Varenne ainda publicou obras dedicadas à confeitaria e à pâtisserie, contribuindo decisivamente para o desenvolvimento técnico e cultural da cozinha francesa. Seus ensinamentos influenciaram grandes chefs que surgiriam mais tarde, como Marie-Antoine Carême e Auguste Escoffier, pilares da tradição francesa.

Saiba Mais:
[1] Mise en place: expressão francesa que significa “colocar no lugar” ou “organização prévia”. No contexto da gastronomia, refere-se à preparação e organização antecipada dos ingredientes, utensílios e equipamentos necessários para o preparo dos pratos. Essa prática garante eficiência e agilidade durante o cozimento, além de manter a cozinha organizada
[2] Fonds de cuisine: expressão francesa que significa “fundos de cozinha”. Refere-se às bases líquidas preparadas a partir do cozimento prolongado de ossos, carnes, legumes e temperos, utilizadas como ponto de partida para caldos, molhos e sopas. São fundamentais na estrutura da cozinha clássica francesa.

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Eu sou graduada e pós graduada na área de gastronomia e compilei todos os anos de estudo em apostilas que estou transformando em um livro “Diário da Gastronomia. De Tudo… Um Pouco.” (Para saber mais acesse a página A Gastrônoma, A Autora, A Terapeuta, A Multiface). Através deste site postarei informações importantes que contribuirá para aumentar o conhecimento dos leitores na área de gastronomia A parte teórica pode ser encontrada na página “Conceitos e Teorias“. Quanto à prática, os leitores podem ir treinando com as “Receitas” postadas. Todas as receitas foram previamente testadas.
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Escritora, Produtora de Conteúdo, Publicitária e Gastrônoma.
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FONTES IMAGENS: Capa: Adriana Tenchini
REFERÊNCIAS:
FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (orgs.). História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.
FRANCO, Ariovaldo. De caçador a gourmet: uma história da gastronomia. São Paulo: Senac, 2004.
LEAL, Maria Leonor. História da gastronomia. São Paulo: Ática, 1998.
