Cozinheiros, Revoluções e Alta Cozinha
Características Químicas
O século XVIII marcou uma nova etapa na evolução da culinária francesa. O reinado de Luís XV foi determinante para a consolidação da cozinha refinada e discreta, em contraste com a pompa ostentosa do século anterior. Nesse período, a gastronomia deixou de ser privilégio exclusivo da nobreza e começou a penetrar nas camadas médias da sociedade, tornando-se símbolo de distinção e bom gosto.
Ao contrário do avô, Luís XV apreciava refeições íntimas e descontraídas, introduzindo o hábito do petit souper[1], pequenas ceias noturnas nas quais podia desfrutar dos prazeres da mesa com amigos mais próximos, sem a rigidez do protocolo. Chegava a preparar alguns pratos com suas próprias mãos. A prática de envolver convidados em experiências culinárias ganhou força, e o prazer em cozinhar tornou-se uma forma de sociabilidade entre nobres e artistas. Luís XV brincava de cozinheiro desde os seis anos de idade e criou muitos dos molhos que seriam aprimorados por chefs das gerações seguintes.
Esse interesse pela boa mesa ganhou ainda mais força com o nascimento dos primeiros restaurantes modernos. Em 1765, em meio à crise econômica e social que antecedeu a Revolução Francesa, foi fundado em Paris o primeiro restaurante oficial, por um homem chamado Boulanger. Embora já existissem tavernas, estalagens e casas de refeições coletivas, o estabelecimento de Boulanger apresentava inovações importantes: cardápio escrito, mesas individuais, garçons uniformizados e atendimento personalizado. Ele servia sopas quentes que, segundo ele, tinham efeito restaurador para os estômagos cansados, daí o nome restaurant, que em francês significa “restaurativo”. A famosa frase em sua porta era: “Vinde a mim, vós que trabalhais, e restaurarei o vosso estômago”.
O surgimento dos restaurantes representou uma verdadeira revolução na forma de comer fora de casa, contribuindo para a democratização da haute cuisine. Antes restrita aos palácios, a alta cozinha começou a ser desfrutada por quem pudesse pagar por ela, uma mudança com efeitos duradouros.
A Revolução Francesa de 1789 abalou profundamente as estruturas sociais, políticas e econômicas do país. Com o fim da monarquia, muitos cozinheiros que antes trabalhavam para a aristocracia se viram sem emprego e migraram para os novos restaurantes ou abriram seus próprios estabelecimentos. Essa transição acelerou a profissionalização da gastronomia e a disseminação dos padrões da alta cozinha por toda a França.
As inovações gastronômicas do século XVIII incluem a individualização do serviço, com pratos e talheres para cada pessoa, e o desenvolvimento de novas etiquetas à mesa. A forma de dispor os alimentos nos pratos passou a ser influenciada pelo equilíbrio visual entre os elementos, surgia a “cozinha do olhar”, substituindo a antiga “cozinha do olfato”. Ingredientes como alho e cebola foram usados com mais parcimônia, cedendo espaço a vegetais coloridos, legumes verdes e ervas frescas que conferiam leveza e elegância às composições.
Os cozinheiros franceses consolidaram sua reputação internacional, sendo considerados os melhores do mundo. Entre os grandes nomes do século XVIII destaca-se Vincent La Chapelle, autor da obra ‘Le Cuisinier Moderne’ (1735), publicada inicialmente na Inglaterra como ‘The Modern Cook’. La Chapelle foi um chef viajante, que trabalhou em diversos países europeus e buscava integrar diferentes tradições culinárias sob o modelo francês. Outros livros, como ‘Les Dons de Comus’, anônimo, também refletiam esse espírito cosmopolita e refinado que moldava a cozinha da época.
Com o tempo, a haute cuisine tornou-se uma arte completa, repleta de técnicas precisas, apresentações estéticas e sabores harmonizados com maestria. O uso da manteiga, do roux, dos fonds de cuisine e dos molhos-mãe[2] permitiu aos chefs criar pratos complexos, equilibrados e consistentes. Era o nascimento da cozinha clássica francesa que influenciaria o mundo por séculos.
[1] Petit souper: expressão francesa que significa literalmente “pequena ceia”. Era uma refeição noturna informal e íntima, geralmente servida tarde da noite, comum entre a aristocracia francesa no século XVIII. No reinado de Luís XV, os petits soupers tornaram-se eventos refinados, com cardápios elegantes e atmosfera descontraída, contrastando com os jantares cerimoniais da corte.
[2] Molhos-mãe: na culinária clássica francesa, são os cinco molhos-base dos quais derivam centenas de outros molhos secundários. São eles: Béchamel (à base de leite e roux), Velouté (caldo claro e roux), Espagnole (molho escuro com caldo de carne), Hollandaise (emulsão de manteiga e gemas) e Tomate (molho de tomates cozidos). A classificação foi sistematizada por Auguste Escoffier no século XIX.

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Eu sou graduada e pós graduada na área de gastronomia e compilei todos os anos de estudo em apostilas que estou transformando em um livro “Diário da Gastronomia. De Tudo… Um Pouco.” (Para saber mais acesse a página A Gastrônoma, A Autora, A Terapeuta, A Multiface). Através deste site postarei informações importantes que contribuirá para aumentar o conhecimento dos leitores na área de gastronomia A parte teórica pode ser encontrada na página “Conceitos e Teorias“. Quanto à prática, os leitores podem ir treinando com as “Receitas” postadas. Todas as receitas foram previamente testadas.
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FONTES IMAGENS: Adriana Tenchini
REFERÊNCIAS:
FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI, Massimo (orgs.). História da alimentação. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.
FRANCO, Ariovaldo. De caçador a gourmet: uma história da gastronomia. São Paulo: Senac, 2004.
LEAL, Maria Leonor. História da gastronomia. São Paulo: Ática, 1998.
