Spoiler 2 – Morte da Ilusão

“Se abra para a Magia.” Adriana Tenchini

Spoiler 2 – Casamento Celta

Dia 03 de Junho de 1336 – Condado de Ormond – Irlanda

O dia amanhece. A cerimônia começará por volta das 10 horas e Usher se oferece para ajudar no que for preciso. Enquanto isso, as moças estão se aprontando. Kendra trouxe um lindo vestido, mas Meredith explica que ele é muito luxuoso para um casamento gaélico.

— Mas não tenho outro. O que faço agora?

— Se acaso quiser, eu posso te emprestar um vestido.

— Claro que quero.

Usher está pronto aguardando as senhoras que saem pontualmente às 9 horas. Kendra está com lindo vestido lilás de tecido fino e esvoaçante. Os braços estão desnudos e, no ombro, uma linda capa confeccionada com o mesmo tecido que se arrasta pelo chão. Na cabeça, uma linda coroa de flores em meio aos seus belos cabelos longos e vermelhos, que se encontram soltos.

O rapaz nunca a viu com os cabelos livres. Na fortaleza, ela sempre está com tranças, coques ou chapéus. Pode ser uma forma que Aalis encontrou de esconder a ascendência gaélica da menina, e por sinal, Usher não está mais vendo-a como uma menina. Kendra, nos seus quase 12 anos, está com aparência de uma mulher, uma linda mulher!

O jovem está tão impressionado que está em transe, sendo despertado pela voz da jovem:

— Usher! Usher! O que houve? Vamos logo, os outros já estão caminhando à frente.

O rapaz dá o braço a ela e seguem para o local da cerimônia, em uma clareira a leste, próximo a um bosque de carvalhos. Kendra presta atenção em todos os detalhes. Nunca foi a um casamento gaélico e está ávida para assimilar tudo.

No meio da clareira foi colocada uma espécie de mesa alta, redonda e estreita, que está decorada com várias flores silvestres. Em cima desta mesa se avista uns potes de cerâmica e fumaça.

Meredith, adivinhando a curiosidade de Kendra, explica baixinho:

— Primeiro preciso te explicar que nós gaélicos acreditamos que a natureza é sagrada e a ela devemos a nossa vida. Por isso, a exaltamos em todos os momentos importantes. Aqui está presente os nossos deuses, aos quais devemos honrá-los. Sei que sua crença é outra, acredita em um Deus único, mas essa é a nossa realidade. Posso continuar?

Kendra balança a cabeça afirmativamente e Meredith continua:

— A nossa cerimônia matrimonial acontece ao ar livre para estar em contato com os deuses e com a natureza que criou cada um de nós. Exaltamos essa natureza através da união dos quatro elementos: água, terra, fogo e ar. Um daqueles potes contém água pura que será aspergida na fronte dos noivos após a troca de votos. A terra está sob nossos pés e para senti-la melhor, os noivos se casam descalços para que possam receber toda a energia emanada por ela. O fogo vem da queima de lascas de madeira perfumadas, trazendo purificação. É aquela fumaça que vemos subindo. E, por fim, o ar. Este está ao nosso redor, nos ajudando a respirar e a viver.

— Que lindo! – diz Kendra maravilhada.

— Ah! Esqueci – continua Meredith. — Na mesa ainda tem um pote com água misturada com sal. Esta será derramada sobre as mãos dos noivos que serão atadas no início da cerimônia.

— Atadas? Como assim? – pergunta Kendra.

— Está vendo aquela fita branca em cima da mesa? – após Kendra confirmar, Meredith continua: — Os noivos ficarão em pé um de frente para o outro e suas mãos serão amarradas com aquela fita dando nós e entrelaçando a vida dos dois.

Neste instante, todos escutam um sininho tocando.

— Vamos, a cerimônia irá começar – diz Alanis para as meninas.

Os convidados caminham e formam um círculo ao redor da mesa central, com os homens de um lado e as mulheres do outro, deixando um espaço aberto para os noivos entrarem. Não tem muitas pessoas, pois na cerimônia gaélica só se faz presente a família e os amigos mais íntimos. A presença de Kendra e Usher é uma exceção devido ao grande carinho que Meredith sente pela sua irmã de alma.

Surgem duas crianças – um menino e uma menina – de mais ou menos seis anos. O menino toca um sininho e a menina joga sementes ao solo a cada passo.

— A semente é para trazer prosperidade ao casal e o som do sino afugenta os maus espíritos que porventura estejam no local para interferir ou atrapalhar a união – diz Meredith baixinho para Kendra.

Atrás das crianças caminha um senhor idoso, com barba e cabelos longos, ambos esbranquiçados pelo tempo. Ele usa uma túnica branca que se arrasta pelo chão. Todos estão descalços. Meredith, sentindo a dúvida de Kendra, cochicha em seu ouvido:

— Ele é um Druida, um dos poucos que restaram aqui na região – vendo a cara de espanto da menina, Meredith complementa: — Depois explicarei melhor.

As duas voltam os olhares para a cerimônia. As crianças se posicionam uma de cada lado da mesa e o Druida na frente dela. O noivo entra no círculo e caminha na direção da mesa, ficando em pé defronte do Druida. O menino continua a tocar o sininho até o noivo chegar.

Em seguida, todos escutam uma linda melodia tocada por harpas e surge a noiva. Ela está com um lindo vestido azul esvoaçante. Na cabeça, uma coroa de flores coloridas e, por cima, um véu transparente que encobre seu rosto. Nas mãos, ela carrega flores e um pedaço de pano branco.

Meredith novamente cochicha no ouvido da amiga dizendo que o vestido azul é porque a cor representa a pureza e a inocência. O pano que carrega nas mãos traz a fertilidade e, depois do casamento, a noiva o transformará em vestes para o primogênito.

A noiva caminha e se alinha ao lado direito do noivo, ambos olhando para o Druida. Este pega um potinho de sal que está sobre a mesa e desenha um círculo ao redor dos noivos.

— Ah! Esqueci de falar deste pote – diz Meredith.

As duas meninas riem baixinho e a senhora Alanis corrige-as, pedindo silêncio.

Os pais dos noivos entram, se posicionam em fila, com as mães à frente. Os noivos olham para os pais, mas continuam um defronte do outro. A noiva, com a mão direita, segura a mão direita do noivo, como se fosse um aperto de mão. O Druida entrega a fita para a mãe da noiva, que passa em volta das mãos dos dois amarrando com um nó. Em seguida, a mãe do noivo se adianta e dá mais um nó, passando a vez ao pai da noiva e termina com o pai do noivo, formando assim quatro nós.

— Essa parte já te contei – diz Meredith.

As duas riem.

— Shh! Fiquem em silêncio – pede novamente a senhora Alanis.

O Druida, caminhando por entre os convidados e os noivos, profere lindas palavras sobre amor, união, fidelidade e família. Todos se comovem. Após o belo discurso, ele pega o pote de água com sal, entorna nas mãos dos noivos e desfaz um nó.

— Também já te contei isto.

Novos risos.

— Meninas, não conseguem ficar em silêncio? – ralha a senhora Alanis.

— Mas mãe, é que ela desconhece nossas crenças. Só quero explicar – diz Meredith.

— Depois, Meredith, agora não é hora.

Alguns convidados olham em direção a elas pelo cochicho. Alanis, envergonhada, diz baixinho para Meredith:

— Não quero mais conversas, entendeu!

— Sim, senhora!

Respondem as duas meninas ao mesmo tempo e voltam a atenção para a cerimônia no instante em que o noivo termina os seus votos. O Druida asperge água pura na fronte do noivo e desata mais um nó. Agora a noiva diz os seus votos e, da mesma forma, ao final, o Druida asperge água pura na sua fronte e desfaz outro nó.

O Druida agora pega o prato de cerâmica com as lascas de madeira queimando e rodeia os noivos para que a fumaça os purifique, coloca de volta na mesa e desfaz o último nó. Com as mãos livres, o noivo retira o véu do rosto da noiva e beija a sua fronte.

Todos os convidados dão as mãos, se aproximam o máximo possível, mantendo o círculo, e suspendem as mãos unidas ao céu, pedindo proteção aos deuses. Todos dizem algumas palavras em um dialeto que Kendra não entende, mas este não é o momento de perguntar.

Ainda com as mãos unidas e bem próximos dos noivos, eles escutam uma linda melodia de flauta. Os convidados que estão em frente aos noivos soltam as mãos e abrem o caminho para os noivos passarem. Estes caminham até o flautista, que está a uns dois metros de distância. Todos os convidados soltam as mãos e se posicionam atrás dos noivos.

Após a música solo do flautista, entra no local um jovem tocando um tambor, uma moça com sua harpa, seguidos por um bardo cantando uma música composta exclusivamente para os noivos. A letra conta a história de vida dos dois, desde o nascimento até a união naquele momento, o que emociona todos os presentes, vertendo lágrimas em sua maioria.

A música termina e é hora de cumprimentar os noivos. Todos estão descontraídos e felizes. Kendra aproveita para perguntar a Meredith o que foi dito naquele momento.

— Eu falo muito bem o gaélico e outros dialetos, mas aquelas palavras não entendi.

— São palavras mágicas, ensinadas pelos deuses. Somente podemos proferi-las quando estivermos em presença de um Druida, que é o canal de comunicação entre nós e os deuses. Aquelas palavras não podem ser repetidas na ausência deles ou acarretaremos maldições para toda a família – responde Meredith.

As meninas não notam, mas o Druida está próximo delas e ouve a conversa. Ele se aproxima e, em gaélico, diz a Kendra:

— Não se preocupe, pequena. Tu serás grande neste mundo e serás também um canal. Aprenderás e promulgarás palavras sagradas e mágicas. Através de ti, virão grandes curas físicas e espirituais. Terás grande poder, mas cuidado! Quanto mais poder, mais risco de errar.

As duas meninas se assustam com a chegada dele e não entendem por que ele diz tudo isso, afinal Kendra nem é gaélica. Quando a menina vai questionar o que ele quer dizer, a senhora Alanis se aproxima. Os dois trocam algumas palavras e o Druida se mistura aos convidados.

Kendra se vira para Meredith e diz:

— O que foi aquilo? Não entendi nada. Me explica, por favor.

— Sinto muito, Kendra. Nem eu entendi – responde a amiga. — Ele deve ter te confundido com outra pessoa.

— Deve mesmo – fala Kendra, mas continua pensativa, com as palavras dele ecoando em sua mente. De repente, se lembra: — Falando nisso, ficaste de me explicar o que é um Druida.

— Ah! É mesmo. O Druida é um tipo de líder para o nosso povo – responde baixinho.

— Um líder? Como assim? O líder destas terras é o lorde Balder, e este responde ao rei da Inglaterra – Kendra abaixa o tom de voz e, olhando ao redor, indaga: — Por acaso, a população de Shanann está planejando alguma rebelião contra a coroa?

— Claro que não, Kendra. Um Druida não é um líder armado ou político. Ele é um líder religioso e espiritual que cuida do nosso povo. Os Druidas são homens sábios que, com seu conhecimento de magia, sua conexão com a natureza e com os deuses, executam diversas funções na sociedade gaélica: curandeiros, juízes, conselheiros dos reis, magos, professores, poetas, músicos, entre outras.

— Nossa! – exclama Kendra.

Meredith continua:

— Para atingir tal grau, não é fácil. Eles aprendem desde a mais tenra idade, mas nem todos atingem o patamar de Druida. É um trabalho árduo, que necessita de muito estudo. Além disso, é preciso ter muita intuição. Afinal, um Druida é um canal entre o visível e o invisível.

— Mas como se escolhe quem será um Druida? – pergunta Kendra.

— Os deuses escolhem – sentindo que Kendra não entende, Meredith explica: — Os jovens escolhidos pelos deuses para seguir neste caminho têm manifestações desde pequenos. Alguns veem entes queridos que já morreram, outros predizem o futuro, alguns têm o poder de cura… É imprevisível; são vários os sinais que os deuses nos enviam. Quando a criança demonstra algum comportamento diferente, é levada até o Druida responsável pelo local, que analisa se ela foi ou não tocada pelo poder dos deuses – finaliza Meredith.

— Como eu nunca ouvi falar sobre isso? – interroga Kendra.

— Nossa terra foi invadida por povos e costumes alheios ao nosso. Os Druidas nunca foram vistos com bons olhos. Para os ingleses, nossos mentores são uma espécie de bruxos ou demônios. Vários foram mortos queimados, apedrejados ou esquartejados. Essa perseguição ocasionou o afastamento e a fuga para o oeste da ilha. Por isso te peço, minha amiga: não comente com ninguém sobre o que viu aqui e peça a Usher que faça o mesmo. A presença dele foi uma surpresa até para mim. Achei que quem iria presidir a cerimônia fosse o ancião de Shanann. Mas fiquei muito feliz, pois ter o casamento celebrado pelo nosso mais alto líder religioso é sinal de muita sorte e prosperidade.

— Não se preocupe, Meredith. Não comentarei com ninguém, e tenho certeza de que Usher também não.

— Ah, esqueci de te contar! Os Druidas não são somente homens. Existem mulheres também, as Druidesas – Meredith fica pensativa por uns minutos e, em seguida, diz: — Quem sabe foi isso que ele viu em ti. Talvez tu tenhas sido escolhida pelos deuses. É isso mesmo… por isso aquela conversa conosco.

— O quê? Não estou entendendo nada – comenta Kendra.

— Esquece, Kendra. Tudo acontecerá no tempo certo!


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Capa: Imagem Adriana Tenchini

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