A História da Gastronomia Mineira

A História da

Gastronomia Mineira

Diz-se com efeito, que a cultura de um povo se conhece pela sua culinária. E se tal assertiva mostra-se no geral verdadeira, o é com mais razão quando se fala dos mineiros, de seu trivial culinário, do jeito de picar e afogar os ingredientes disponíveis, de seus “sonhos aquecidos pelo fogão de lenda e goles de café ralo”.

Se por um lado, as mineirices e mineiridades da culinária “internacional” de Minas se forjaram nos caminhos e descaminhos da sua história, por outro lado, a história de Minas e o caráter de seu povo foram formados, em grande parte, na luta pela alimentação e sobrevivência. A carência de recursos alimentares do período colonial foi a condição não só para o surgimento do caráter cauteloso, econômico do mineiro, mas também para o desenvolvimento de sua culinária criativa e inovadora. (SENAC, 1998, p. 10)

Por ter nascido em Minas Gerais, não posso deixar de relatar um pouco da nossa riquíssima história gastronômica. “Em cada região do Estado, delícias de todo tipo são especialmente preparadas para as mais diferentes ocasiões, afinal, o mineiro é hospitaleiro por natureza e não perde a oportunidade de compartilhar mesas preciosas e fartas[1]”. A gastronomia mineira é considerada uma das mais ricas, saborosas e apreciadas de todo o Brasil. A nossa culinária está enraizada na cultura, nas tradições e nos costumes mineiros, e é isso que a torna tão importante.

Para entender melhor a variedade da culinária mineira se faz necessário recorrer às origens do estado em dois momentos distintos da história: a mineração, que teve o seu ápice no século XVII; e o surgimento das fazendas (ruralização) que engloba o período do final do século XVIII até o início do século XX. O bandeirante Fernão Dias Paes, em 1674, desbravou os sertões das Gerais abrindo caminho para a mineração. O ouro e o diamante atraíram milhares de pessoas de todos os lugares do Brasil interessados em se enriquecer com o garimpo.

Surgiram as primeiras vilas e cidades de Minas: Mariana, Ouro Preto, Diamantina, São João Del Rei, Tiradentes e outras. Os portugueses para garantir as posses das minas enviaram representantes da coroa para vigiar a exploração. Chegam à região: juízes, comerciantes, profissionais liberais, funcionários civis, artistas e uma quantidade enorme de escravos usados como mão-de-obra. O tráfego negreiro se desviou para as novas terras colonizadas. No início os índios eram resistentes a colonização, porém, mais tarde se adaptaram e contribuíram para a formação dos costumes mineiros. A mistura da culinária indígena e africana fez surgir o gosto pela mandioca, milho, inhame e o uso de utensílios como panelas de barro, balaios e potes.

A “corrida ao ouro” transformou-se em um grande problema para a colônia, pois faltavam pessoas para trabalhar em diversas profissões nas demais cidades do reino. Além disso, as vilas e cidades litorâneas estavam sofrendo com a escassez de alimentos que eram enviados em grande parte para as minas, gerando um aumento nos preços. Segundo Rocha (1998), “a situação ficou tão complicada que a Câmara Municipal da Vila de São Paulo deliberou, em 19 de janeiro de 1705, que nenhuma pessoa vendesse qualquer artigo de subsistência para fora da terra. […] E em janeiro de 1722 incluiu o gado nesta proibição”. Com a superlotação dos povoados mineiros e a dificuldade em adquirir insumos de outras regiões, ocorreu a falta de alimentos.

Com os problemas, os mineiros aprenderam a superar os limites na busca por saciar a fome e surgiram os pequenos pomares e hortas no fundo do quintal onde eram cultivados couve, feijão, milho, taioba, mostarda, mandioca, inhame, abóbora, banana, laranja, goiaba, jabuticaba e outras frutas. Os mineiros criavam pequenos animais para seu sustento, como porco e galinha, do qual utilizavam, além das carnes, os ovos. Até hoje as carnes de porco e de frango fazem parte da culinária mineira. Para escapar da fome, tudo na cozinha mineira era aproveitado, até as sobras que se transformavam em deliciosas receitas. Com as sobras de carne, feijão, verduras e legumes eram preparados as mais variadas farofas, sopas e bolinhos. Tem ainda, o mexido, que é uma mistura de tudo o que sobrou na refeição anterior. O mexido ainda hoje é muito consumido no interior de Minas Gerais e em Belo Horizonte existem botecos e restaurantes que servem o prato durante a madrugada. No período da mineração, o sal era um produto escasso e caro, sendo pouco consumido. Para substituí-lo os mineiros utilizavam outros temperos como urucum, cúrcuma, salsinha, cebolinha, raízes e outros brotos nativos.

Durante alguns séculos a colónia manteve-se fechada a estrangeiros, porém, para evitar o êxodo dos mineradores, a Coroa Portuguesa resolveu melhorar o abastecimento de suprimentos, abrindo um caminho direto com o Rio de Janeiro, além dos já existentes para Bahia e São Paulo. Pelo rio São Francisco chegavam escravos africanos e gado vindos do Nordeste e manufaturados da Europa. Minas ainda importava do Rio de Janeiro e de São Paulo diversos insumos, tais como: legumes, carne seca, doces, frutas, fumo, dentre outros. Ao longo do século XVIII, a Capitania das Minas Gerais moldava a sua identidade com elementos culturais provenientes de índios, escravos africanos, nordestinos, portugueses e, aos poucos, os vilarejos foram nascendo, crescendo e os mineiros “incorporando outros valores, saberes e fazeres, que influenciavam os costumes, a religião, a política, a moradia, as artes, os hábitos e as condições alimentares” (GASTRONOMIA MINEIRA[1])

A gastronomia mineira também sofreu influência dos tropeiros, que ao longo de séculos realizaram o transporte de mercadorias por entre trilhas e caminhos entrecortadas nas montanhas de Minas. Este fluxo ocorreu desde o século XVII até o século XX. As viagens eram longas e para poderem se alimentar carregavam produtos secos e duráveis. As carnes eram previamente desidratadas com sal ou cozidas e guardadas em vasilhames com banha de porco para conservarem. A farinha de mandioca era um hábito dos tropeiros que era misturada com feijão e carne seca, surgindo daí o famoso “feijão tropeiro”. Alimentavam-se também de caças, sementes e brotos; e para amenizar o cansado do dia e o frio da noite, bebiam cachaça. Atualmente, a cachaça é fabricada em fazendas de todo o estado, sendo servida como aperitivo ou nos bares e tornou-se um produto de exportação.

Com o declínio do ouro, surgiram as plantações de café. A alimentação na fazenda é rica e variada. Da horta saem diariamente os legumes e verduras frescas que são cortadas na hora de refogar. Os pratos são suculentos e, em geral, acompanhados de molhos e caldos. Destacam-se o frango com quiabo, o angu, a couve refogada, a canjiquinha, as carnes ensopadas como costelinha e rabada, e que podem ser acompanhados de brotos nativos, tais como o ora-pro-nóbis, taioba e agrião. Com a expansão das fazendas mineiras no final do século XIX, o leite e seus derivados, como o queijo e pão de queijo, entraram em definitivo no nosso cardápio. Com leite em abundância, ovos e queijos variados, ampliaram-se os doces e as quitandas.

Café no fogão à lenha. Delícias de Minas. Imagem de Aline por Pixabay

O queijo de minas transformou-se em símbolo máximo de mineiridade e atualmente é reconhecido no Brasil e no exterior. No cardápio mineiro ainda tem um item muito importante: o Café. “O bule no fogão a lenha é um forte elemento do cenário da cozinha mineira, onde o café, sempre quentinho, era servido acompanhando as quitandas, no encerramento das refeições, ou na primeira refeição do dia, adoçado com rapadura.[2] ” A todo momento o mineiro está pronto para um cafezinho e o costume, até os dias de hoje, é ter cinco refeições diárias. Almoço, jantar e três cafés (da manhã, da tarde e da noite). Estes cafés são acompanhados de pães, broas, bolos, biscoitinhos, docinhos etc. “O café pode ser apreciado também com um pouco de leite, mas os mineiros costumam bebê-lo sozinho a qualquer hora do dia.” (FONSECA).

“Apesar das raízes da culinária, aquelas plantadas pelos portugueses, negros e índios, terem se fixado nos solos da região mineradora, a culinária típica dos quatro cantos mineiros também é de grande expressividade ainda hoje.” (CAVALIERI). Como dizia Guimarães Rosa: “Minas, são muitas.”

O Sul de Minas, com sua riqueza agrícola e grandes rebanhos de gado leiteiro, é importante produtor de laticínios e doces finos à base de leite. No Norte de Minas, produtor de gado de corte, há o predomínio de receitas com carnes de boi com destaque para a carne de sol. Nas margens do Rio São Francisco é característico o uso de peixes na alimentação. No Triângulo Mineiro, grande produtor de milho, prevalece as receitas de pamonhas, bolos, mingaus, broas e o tradicional angu lavado. Nesta região, mas precisamente em Araxá, reina a tradição doceira com inúmeras compotas de frutas. No Cerrado de Minas o produto mais característico é o pequi utilizado nas receitas de arroz com pequi e licor. A região da Zona da Mata tem as melhores goiabadas e grandes plantações de cana-de-açúcar. O Nordeste Mineiro prevalece o gosto pelos temperos naturais, dentre eles o urucum e o açafrão da terra (cúrcuma), que dão um colorido especial aos pratos.

A região central de Minas Gerais é uma das mais ricas do Brasil em recursos minerais: ouro, ferro, manganês e calcário. A capital do estado localiza-se na região central. Belo Horizonte é a união de um grande centro urbano com a tranquilidade do interior. Como dizem os belorizontinos: BH é uma roça grande. “Diferentemente das demais capitais do país, 95% da população da capital de Minas é de mineiros e um grande percentual nasceu na cidade.” (ASSUMPÇÃO; BARBOSA, 2005, p.14)

Cardápio Mineiro

A tradição mineira é que sejam realizadas cinco refeições diárias:

Café da manhã – café com leite, pão com manteiga, requeijão, broa de milho, bolo, biscoito de polvilho, mingau de fubá e pedacinhos de queijo minas frescal. Nas cidades grandes, onde o tempo para as refeições é bem menor, o café da manhã é bem mais simples: café com leite ou café puro e pão com manteiga.

Almoço – é servido arroz com feijão ou com tutu de feijão, carne, legumes e verduras. Não pode faltar a sobremesa: goiabada com queijo, doce de leite ou doce em compota. As carnes, legumes e verduras variam entre as várias receitas existentes em Minas.

Café da tarde – são as quitandas (bolos, roscas, sequilhos, biscoitos, broas) acompanhados de café e leite.

Jantar – Geralmente é composto do almoço requentado, às vezes com o acréscimo de uma sopa. Para fazer digestão um licor ou uma cachaça.

Ceia – o mineiro tem a tradição de comer antes de dormir. Serve-se de pão-de-queijo feito na hora, bolinho de fubá ou biscoito de polvilho frito, café com leite, leite com canela, chá de hortelã ou chá de erva-cidreira.

Quanto aos pratos típicos, como visto anteriormente, a gastronomia mineira é muito diversificada. A seguir relaciono algumas receitas características da região: Pão de queijo, Broa de milho, Tutu de feijão, Feijão tropeiro, Frango com quiabo, Frango ao molho pardo, Galinha com ora-pro-nóbis, Leitão assado à pururuca, Vaca atolada (caldo de mandioca com costela de boi), Canjiquinha com costelinha de porco, Linguiça frita, Couve refogada, Angu, Bambá de couve, Doce de abóbora (figo, laranja, limão, banana), Doce de leite, Ambrosia, Goiabada, Mingau de fubá, Cachaça, Licor (frutas variadas). Atualmente existem diversos restaurantes mineiros espalhados pelas cidades de todo o país e em algumas cidades pelo mundo, sendo servido em restaurantes à lá carte, rodízios, comidas à quilo etc.

O estado de Minas Gerais possui uma das culinárias mais apreciadas de todo Brasil, trazendo junto à sua formação, muita história, diversas culturas e ingredientes de toda a parte do mundo. Essas diversas culturas que passaram por aqui, construíram o que é hoje a nossa famosa gastronomia. Cada imigrante que chegou ou passou por minas no período da mineração e do surgimento das grandes fazendas trouxe consigo um alimento típico de sua terra de origem e que, com as condições impostas pela época e região teve seu modo de preparo modificado.

Hoje em dia existem vários restaurantes mineiros espalhados pelas cidades de todo o Brasil e em algumas cidades pelo mundo, sendo servido em restaurantes à lá carte, rodízios, comidas à quilo etc. Sendo assim, é importante conhecer e entender um pouco mais desta maravilhosa gastronomia.

Frango com Quiabo

Que tal testar essa deliciosa receita mineira?


[1] GASTRONOMIA MINEIRA. Descubra minas, site do SENAC Minas.

[2] COZINHA MINEIRA. Conheça Minas. Governo de Minas Gerais.

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Eu sou graduada e pós graduada na área de gastronomia e compilei todos os anos de estudo em apostilas que estou transformando em um livro “Diário da Gastronomia. De Tudo… Um Pouco.” (Para saber mais acesse a página A Gastrônoma, A Autora, A Terapeuta, A Multiface). Através deste site postarei informações importantes que contribuirá para aumentar o conhecimento dos leitores na área de gastronomia A parte teórica pode ser encontrada na páginaConceitos e Teorias“. Quanto à prática, os leitores podem ir treinando com asReceitaspostadas. Todas as receitas foram previamente testadas.


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CAPA: Imagem de Luis Gregório por Pixabay


REFERÊNCIAS:

ASSUMPÇÃO, Patrícia; BARBOSA, Clesio. Terra de Minas Culturas & Sabores. Belo Horizonte: Prax Editora, 2005. 150p.

BAZOTE, Sylvio. Comida Mineira. Blog: Histórias. Disponível em: http://historiasylvio.blogspot.com.br/2013/01/cozinha-mineira.html Acessado em: 18/01/2015 às 18:00.

CAVALIERI, Renata de Brito. Culinária Mineira: as raízes históricas da sua diversidade. Disponível em: https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=6&cad=rja&uact=8&ved=0CFUQFjAF&url=http%3A%2F%2Fwww.nutrociencia.com.br%2Fupload_files%2Farquivos%2Fcozinha_mineira. Acessado em: 18/01/2015 às 19:00.

CHAVES, Guta. Larousse da cozinha brasileira: raízes culturais de nossa terra. São Paulo: Larousse do Brasil, 2007

COZINHA MINEIRA. Conheça Minas. Governo de Minas Gerais. Disponível em: http://www.mg.gov.br/governomg/portal/m/governomg/conheca-minas/5655-cozinha-mineira/5655/5044 Acessado em: 18/01/2015 às 18:50

FONSECA, Renata. A História da Comida Mineira: Os tempos são atravessados e contados através da culinária. Site da UNIUBE – Universidade de Uberaba. Disponível em: http://www.revelacaoonline.uniube.br/cultura03/histcomida.html Acessado em: 18/01/2015 às 18:00.

GASTRONOMIA MINEIRA. Descubra minas, site do SENAC Minas. Disponível em: http://descubraminas.com.br/MinasGerais/Pagina.aspx?cod_pgi=2981 Acessado em: 18/01/2015, às 16:20.

SENAC. DN. Sabores e Cores das Minas Gerais: A culinária mineira no Hotel Senac Grogotó. Arthur Bosisio (Coord.); Maria Stella Libanio Christo; Tião Rocha. Rio de Janeiro: Editora Senac Nacional, 1998. 140 p. il. Edição bilíngue: português/inglês.

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